RESSURREIÇÃO
Liev Tolstói
Os protagonistas de Ressurreição são o nobre Nekhliúdov e a
serva Katiucha. A menina vinha de uma família muito pobre e desagregada,
abandonada e sem nenhuma perspectiva de vida. Duas tias solteiras de Nekhliúdov
recolhem a garota, ensinam a ler e a falar três idiomas, e ela passa a servir
como empregada na casa.
Katiucha foi crescendo e transformou-se numa moça atraente,
chamando a atenção do jovem Nekhliúdov. Aos 19 anos, e ela com 16, os dois se
apaixonam, ou melhor, ela se apaixona. O rapaz sentia um desejo físico pela
garota e, depois de alguns encontros, ele consegue alcançar seu objetivo: uma
relação que resultou numa gravidez.
“...o sentido da
mulher, de todas as mulheres, exceto as da sua família e as esposas dos amigos,
estava bem determinado: a mulher era um dos melhores instrumentos de prazer que
ele já experimentara”
Ao saber que ela estava grávida, Nekhliúdov meteu a mão no
bolso e lhe deu dinheiro para “resolver” o problema.
“Agora, era um egoísta
depravado, requintado, que só amava o seu prazer”
Katiucha ficou arrasada, embora não esperasse que o
relacionamento entre eles tivesse algum futuro, pois eram de classes sociais
extremamente diferentes. Mas ela decide ter a criança, e planeja um jeito de ir
embora daquela casa porque sabia que as tias do rapaz não poderiam aprovar
aquela gravidez. Para elas, era uma situação ultrajante.
O tempo passa. Nekhliúdov entra para o exército russo,
participa da guerra e vai levando sua boa vida de rapaz rico, sem nada com que
se preocupar. Seus falecidos pais deixaram propriedades e terra suficiente para
que ele jamais passasse qualquer necessidade.
Mas o caminho não foi tão suave para Katiucha. Sua filhinha
não sobreviveu aos primeiros dias, ela nunca conseguia um trabalho decente, até
que foi vista por uma mulher que vislumbrou um belo futuro para ela: a
prostituição.
Passados 10 anos, Nekhliúdov é jurado num julgamento em que
uma mulher era acusada de envenenar um homem, com participação de dois
cúmplices.
Nekhliúdov mal pode acreditar no que via: a ré era sua amiga
Katiucha. Ela negava o crime, alegando que a vítima era um cliente e que ela
pensava que estava dando a ele um remédio para dormir.
Ele é tomado por enorme sentimento de culpa, pois tem
certeza de que sua atitude irresponsável no passado, quando aquela jovem
ingênua acreditou nele, foi o primeiro passo que empurrou Katiucha para a
prostituição e tudo de ruim que aconteceu depois.
A partir daí ele começa a mudar seu modo de ser. Decide que
deve fazer de tudo para ajudá-la aproveitando-se do bom relacionamento que tem
com pessoas influentes, quem sabe até mesmo anular o julgamento.
O nome do livro dá uma ideia do enredo: Nekhliúdov passa por
um processo de Ressurreição, de mudanças no modo de viver a vida.
O livro é muito bom, com vários personagens muito
interessantes e muitos deles inspirados em pessoas que Tolstói conheceu. O
protagonista tem alguns traços do autor e a jovem Katiucha foi baseada numa
empregada da família por quem o autor se apaixonou.
O romance faz também uma crítica ao sistema judiciário e
prisional, e analisa friamente os privilégios das classes dominantes, das
relações de trabalho, da questão da propriedade e outros temas que ainda são
atuais. O jovem Nekhliúdov descobre novas realidades totalmente diferentes
daquela a que estava habituado. E isso o modifica para sempre.
Na Rússia, o romance começou a ser publicado em fascículos,
em março de 1899, na revista Niva.
Tolstói abriu mão de seus direitos autorais em favor da
comunidade dukhobóri, um grupo de cristãos que se recusava a jurar lealdade ao
czar, negavam o direito à propriedade, não aceitavam a Igreja e a Bíblia como
única fonte de revelação, recusavam-se a ter documentos e servir o exército.
Os dukhobóri foram perseguidos, e deportados por dois czares
para regiões remotas da Rússia. Durante o reinado de Nicolau II, foram aceitos
pelo governo do Canadá para onde migraram e sobrevivem até hoje.
“As pessoas são como
rios: a água é a mesma para todos e é igual em toda parte, mas cada rio é ora estreito,
ora rápido, ora largo, ora calmo, ora limpo, ora frio, ora turvo, ora morno.
Assim também são as pessoas...”